Em recente visita de estado à XXXXX (suprimido por razões de segurança interna) houve um incidente diplomático, do qual os meios de comunicação presentes juraram guardar segredo (uns a troco de publicidade institucional, outros pelo prazer de obedecer).
Mão amiga (e ouvido atento) com fortes ligações ao Jardim das Necessidades, fez-me chegar a história (em fotocópia de má qualidade, impressa em papel IO de 70grs), a qual, em abono da verdade e prevenindo eventuais chatices, declaro que não acredito. Por deformação profissional (do delator) vem em articulado. É assim:
Excelência
1- Por ordem de serviço fui destacado para acompanhar viagem de estado à XXXX (suprimido por razões de segurança interna).
2- A viagem era de avião.
3- Como não confio no rigor dos jornais e revistas distribuídos aos passageiros de turística, resolvi comprar um livro de contos para me entreter durante a viagem.
5- Fui a uma Fnac e pedi um livro de contos, mas dos baratos (tinha-me esquecido do cartão de aderente).
6- Impingiram-me uma coisa sem pés nem cabeça (nem capa), chamada Kismet.
7- Embalado pela turbulência li 4 ou 5 contos. Não eram maus.
7- Numa recepção, conheci o secretário do sub-secretário do Ministro da Cultura XXXXX (suprimido por razões de segurança interna). Homem culto, perguntou-me por novidades literárias portuguesas. Falei-lhe de Camões e Eça de Queiroz. Não era isso, respondeu, coisas mais recentes. Embatoquei. Pousei o copo para ganhar tempo. Treinado para os maiores embaraços, ocorreu-me a palavra mágica - Kismet.
8- O secretário do sub-secretário pediu-me para lhe mandar um quando chegasse à pátria. Impante, disse que tinha um exemplar no hotel. Fui buscar.
9- Quando lhe entreguei o livro, o secretário ruborizou, num crescente vermelho até ficar encarnado. Apenas conseguiu balbuciar Puan Misket Çur.
10- Bebeu um copo de água com açúcar. Melhorou. Explicou que Kismet era um miserável e inaceitável plágio do livro Kismet, do grande autor XXXXX (suprimida a nacionalidade por razões de segurança interna) Puan Misket Çur, glória das letras XXXXX (suprimido o nome do país por razões de segurança interna) e candidato ao Nobel em 1998. Aproveitou para me perguntar se no meu país era habitual haver muitas vigarices.
11- Puxei pelos galões do meu patriotismo. Respondi que a República Portuguesa era um país culto e decente, com marca registada desde 1910, e era considerada por todas as nações da UE como um porto livre para negócios, turismo e futebol.
12- Quando falei em UE o secretário arrebitou. Disse que poderia estar aí a solução para tão desagradável incidente. Bastaria apoiar XXXXXXXX (por razões de segurança interna foi suprimido todo o parágrafo) e retirar de circulação a edição plagiada de Kismet.
13- Após breve reunião com as autoridades presentes, não houve outro remédio para sanar o incidente senão aceitar as condições propostas. Afinal, somos um país decente e com marca registada desde 1910. Noventa e nove anos de prestígio não se deitam à rua por causa de um plagiador.
14- Resta fazer 2 coisas - processar o miserável anónimo e enviar a GNR a todas as livrarias do país para levantar um auto de apreensão da maldita obra.
15- Tenho um primo, graduado da GNR, que costuma fazer estes serviços. Já pedi para ficar com um livrito. Se Vossa Excelência quiser, posso pedir para trazer dois. Já agora, sempre é um livro raro e tenho curiosidade em ler mais 3 ou 4 daqueles contos.
A bem da República
Atento, venerando e obrigado
XXXXXXX (nome suprimido por razões de segurança interna)
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